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Ateísmo, religião e o meio termo

Marco Túlio Pires, terça-feira, 16 de agosto de 2011, às 21:21. Em: Ciência

Semana passada tive uma deliciosa conversa com a filosofa Rebecca Goldstein. O livro mais recente dela (36 Argumentos Para a Existência de Deus, Companhia das Letras, tradução de George Schlesinger, 536 páginas, 59 reais) foi publicado há pouco tempo no Brasil. Não é a primeira vez que abordamos o assunto na editoria de ciência do site de VEJA. No inicio do ano conversei com Sam Harris sobre o livro Moral Landscape, em que o autor defende uma tal de “ciência da moralidade”.

Dessa vez, em vez do energético e polarizado Sam Harris, encontrei uma ateia de voz doce e discurso amigável. Para colocar à prova seu discurso conciliador, fiz provocações e perguntas incômodas durante a entrevista. Rebecca, contudo, consegue como poucos falar de um assunto tão polemico quanto Deus, religião e suas implicações, sem trazer à tona a animosidade da coisa. Uma pena que não pude publicar a íntegra da entrevista. Poucas pessoas alem dos próprios jornalistas se dão conta da quantidade de material que não chega a ser publicado em uma entrevista. O que “vai pro ar” é uma espécie de melhores momentos. Das 30 perguntas que fiz, 10 entraram na matéria.

A discussão entre ateus e teístas é mais velha do que andar para frente, eu sei. Mas foram duas as coisas que mais me chamaram atenção no discurso dela. A primeira, o puxão de orelha que ela dá nos ateus. É muito, muito comum algumas pessoas que não acreditam no “Deus abraâmico“, e portanto, ateias, se julgarem mais espertas que aqueles que levam uma vida religiosa. (Essa é uma discussão muito delicada. A definição de palavras é muito delicada. Parto do pressuposto de que ser ateu é não acreditar que QUALQUER deus exista. Para mim, Rebecca não é ateia como afirma, uma vez que ela admite concordar com a definição de Deus de Spinoza… Enfim… detalhes…)

Voltando ao pedantismo de alguns ateus. Ser religioso, diz Rebecca, não é o mesmo que ser idiota. Experimentar a vida de um jeito religioso, continua, não pode ser parâmetro para julgar a intelectualidade de alguém. As experiências transcendentais existem e a linguagem secular ainda tem pouco vocabulário para descrevê-las. Já o idioma religioso está repleto de verbetes cuidadosamente trabalhados há milênios para traduzir essas experiências. Parece um argumento razoável e o puxão de orelha também vale para religiosos radicais que consideram os ateus imorais ou incapazes de passar por experiências transcendentais.

O segundo ponto que me chamou atenção é sobre a área de interseção entre a moralidade de religiosos e ateus. É meio óbvio, gente, mas é verdade. Praticamente a única coisa que diferencia o ateu/religioso comum, ou seja, aqueles que não são radicais, é a descrença/crença em Deus. Os dois indivíduos aparentemente antagônicos trabalham questões morais de maneira muito parecida, na maioria das vezes. Claro, por motivações diferentes.

Para ilustrar o argumento, Rebecca contou um pequeno causo que ocorreu durante sua turnê de lançamento do livro e que não entrou na entrevista publicada. Lá estava a filósofa se sentindo importante em Philadelphia assinando exemplares e trocando experiências com leitores em uma tarde de autógrafos. De repente… mentira, ela não deu detalhes de como foi abordada. Fato é que uma senhora muito bem apessoada chegou até ela e disse INDIGNADA: “O quêêê? Quer dizer que você tem coragem de admitir que é ateia na frente de todo mundo? Por que você faria uma coisa tããão horrível assim?”. Rebecca Goldstein era terrorista aos olhos daquela contrariada senhorinha.

Com um bom humor e docilidade inabaláveis, Rebecca conta que passou os 15 minutos seguintes conversando com a senhora sobre aquilo que ela, Rebecca, acreditava ser o certo moralmente: ajudar o próximo, promover a paz e a tolerância, o respeito individual, a caridade com os necessitados, e assim por diante. Ao fim da conversa, as duas, despidas de suas vestimentas de ateia e religiosa, chegaram à conclusão de que acreditavam praticamente nas mesmas coisas quando o assunto era o certo e o errado. A doninha ao fim da conversa não virou ateia… mas concedeu: “olha, não concordo com sua visão de Deus, mas estou vendo que a senhorita é uma pessoa de bem. Vamos ver o que esse livro fala”.

O mais cético dos céticos pode acreditar que a Rebecca é uma grande marqueteira. Talvez ela seja. Porém, quem quer ter um diálogo honesto sobre esse assunto tão polêmico, sabe que as coisas vão além disso. A ideia de que ateus e religiosos concordam mais do que imaginam sobre o mundo é muito poderosa. É tão óbvio que chega a doer. Talvez alguém tenha dito isso antes da Rebecca, mas é muito legal ver uma filósofa ateia respeitada subir a bandeira branca. Mais deveriam fazer a mesma coisa. Talvez seja um ingrediente importante que esteja faltando para que as pessoas tenham diálogos saudáveis sobre o que pensam e possam abrir novas portas para as relações humanas.

Se a linha de chegada é a mesma para todo mundo, importa se vamos chegar até ela passando pelo melhor dos caminhos religioso ou secular? Algo me diz que não.

E você, após ler a entrevista, o que acha?

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  1. Descrer de Deus e a Ciência da Moralidade
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  • http://twitter.com/vbandrade V.

    Mais um livro pra ler… rsrsnnO fato u00e9 que existem preconceitos de ambos os lados, infelizmente. );nnParabu00e9ns pela entrevista e pelo post.

  • http://bitcount.com.br Marco Tu00falio Pires

    O livro u00e9 bem legal. Os tais 36 argumentos su00e3o duramente refutados no apu00eandice… tenho acompanhado algumas discussu00f5es na internet e descobri um cara chamado William Lane Craig, uma espu00e9cie de Richard Dawkings, mas que defende o cristianismo usando argumentos lu00f3gicos e filosu00f3ficos.u00a0nnNu00e3o finjo ser especialista no assunto, mas u00e9 interessante ver como ambos os lados defendem a existu00eancia/inexistu00eancia de Deus. No fim das contas, o u00f3bvio ululante reina e nu00e3o temos como nu00e3o concordar com a Rebecca. Por mais elegante que seja a sua argumentau00e7u00e3o (seja defendendo ou atacando a existu00eancia de Deus), ateus e teu00edstas realmente concordam mais que discordam.

  • Assis Utsch

    Marco Tu00falio Pires,nAinda nu00e3o terminei a leitura do livro – 36 Argumentos Para a Existu00eancia de Deus – mas eu gostaria de fazer um comentu00e1rio sobre seu texto. Destacou00a0 sobretudo suau00a0frase “A ideia de que ateus e religiosos concordamu00a0 mais do que imaginam sobre o mundo u00e9 poderosa”. Ora, au00a0 convergu00eancia de ambos sobreu00a0a moral ou au00a0u00e9tica – no essencial – su00f3 poderia seru00a0plena.u00a0Um ateu quer um mundo moral e u00e9tico porque aquiu00a0u00e9 o nosso lugar. u00c9 a pru00f3pria necessidade de se buscaar a harmonia nau00a0convivu00eancia humana que nos compele a desejar um mundo melhor, mais humano,u00a0mais justo, mais harmu00f4nico. A Regra de Ouro que estu00e1 em vu00e1rios textos,u00a0 inclusive nos Evangelhos,u00a0tem toda a relevu00e2ncia para os ateus : Nu00e3o fazer aos demais aquilo que nu00e3o gostaria que lhe fizessem. Su00f3 que para o ateu tais valores – conforme Nietzsche – decorrem do pru00f3prio Sentido da Terra, nu00e3o se originam de uma suposta Ordem Transcendente.nPara os ateus as religiu00f5es su00e3o superstiu00e7u00f5es mais elaboradas; os livros santos de todos os credos su00e3o mitologias e fu00e1bulas milenares -u00a0orais ou escritas -u00a0que vieram sendo recontadas, recriadas, expurgadas, adicionadas; o Deus u00e9 uma invenu00e7u00e3o de homens primitivos, mantida pelo homem moderno por razu00f5es de conveniu00eancia; e o Mundo nu00e3o teve um Criador, pois asu00a0Teorias do Universo Eterno su00e3o muito mais plausu00edveis.nAssis Utsch (autor de O Garoto Que Queria Ser Deus)

  • Assis Utsch

    Laine Craigu00a0u00e9u00a0mais retu00f3rico do queu00a0filu00f3sofo. Em sua cru00edtica u00e0 autora, eleu00a0desconsiderouu00a0queu00a0 a forma usada por Rebecca Goldstein nau00a0apresentau00e7u00e3o do Argumento Cosmolu00f3gico u00e9 mesma usada por outrosu00a0religiosos,u00a0desde o Pe. Copleston, Dinesh D’Souza e outros.

  • http://bitcount.com.br Marco Tu00falio Pires

    Assis, ainda nu00e3o conheu00e7o o trabalho do William direito, mas concordo que ele u00e9 bastante retu00f3rico. Poru00e9m, por tru00e1s da retu00f3rica dele hu00e1 pontos muito interessantes que nu00e3o su00e3o apenas jogos circulares de palavras. Nu00e3o tenho uma opiniu00e3o forte sobre o posicionamento dele, mas estou acompanhando alguns debates que ele teve… com Hitchens, Sam Harris e outros…

  • http://bitcount.com.br Marco Tu00falio Pires

    Assis, vejo que nu00f3s tru00eas (Rebecca, vocu00ea e eu) concordamos entu00e3o. Por mais u00f3bvio que essa visu00e3o possa parecer (celebrar as igualdades e esquecer as diferenu00e7as) u00e9 algo que deveria ser lembrado um pouco mais pelas pessoas. A maior parte das discussu00f5es se concentra no radicalismo de ambas as partes, nas vidas perdidas pelo fanatismo. Quem quer discutir procura atacar essas frentes, u00f3bvio, pois su00e3o as u00fanicas atacu00e1veis… Uma discussu00e3o perderia rapidamente o sentido se ambas as partes concordam muito mais que discordam. Obrigado pelo comentu00e1rio! Darei uma olhada no seu livro :)

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